O mundo animal não escapa à alta e anormal subida do nível geral dos preços e disso é prova o aumento significativo do abandono, a nível global, de animais de companhia desde o início do ano.
Esta é uma situação que tem vindo a sobrecarregar as associações de proteção e abrigo de animais, que já estão a “pôr um travão” no acolhimento de cães e gatos.
De acordo com as palavras de Luísa Barroso, presidente da União Zoófila (UZ), “tem sido uma coisa pavorosa em todo o país”. A associação a que preside alberga neste momento 460 cães e 170 gatos, recebendo diariamente pedidos para acolher mais animais.
O agravamento da situação financeira da UZ, devido à falta de donativos (consequência do aumento do custo de vida), irá dificultar ainda mais a capacidade de resposta por parte da associação a este tipo de situações.
Os apoios “pequeninos, de dez, cinco euros” que a UZ tem recebido ultimamente são sempre bem vindos sendo, porém, poucos face às necessidades.
Como consequência, avolumam-se as dívidas em hospitais veterinários, o que dificulta ainda mais o trabalho da associação. Este problema tem feito com que esses hospitais estejam “a deixar de fornecer o que precisamos, porque os pagamentos estão atrasados”, admite a presidente, que considera “horrível” ter tido que colocar “um travão” no acolhimento de animais.
Animais recolhidos triplicam no Porto
Efetivamente, o panorama atual das associações e Centros de Recolha Oficial de Animais (CROA) em todo o país é preocupante, tendo em conta o número de animais recolhidos este ano, em comparação com os anteriores.
Se no ano passado os animais recolhidos pelos Centros de Recolha Oficial de Animais ultrapassaram os 43.000, este ano esse número poderá aumentar, impulsionado pela atual crise económica.
Só este ano, o CROA do Porto já viu o número de animais entregues às suas instalações triplicar. Se em 2021, foram entregues pelos detentores 59 animais, este ano, até 30 de setembro, o número disparou: 165, ou seja, um aumento de 179%.
Escolher entre alimentar os animais ou os filhos? Sim, é um dilema global
Acontece um pouco por todo o mundo e, a título de exemplo, o canil Lost Dogs’ Home, em Melbourne, Austrália, que hoje alberga 500 animais e que, tal como as associações e abrigos de animais em Portugal, tem recebido cada vez mais pedidos para acolher mais cães.
Suzana Talevski, responsável do canil, não esconde a tristeza e a estupefação. “É um dia muito triste quando as pessoas têm de fazer uma escolha entre dar de comer aos animais ou aos seus filhos. Infelizmente, algumas pessoas já chegaram a esse ponto”, afirmou, em declarações à BBC.
O aperto financeiro que o canil vive tem dificultado a difícil missão de alimentar e cuidar dos animais acolhidos. A indústria das rações foi uma das mais afetadas pela guerra na Ucrânia, sobretudo antes do acordo para a exportação de cereais, firmado em julho sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Turquia, para solucionar o bloqueio russo das exportações de cereais ucranianos.
Consequentemente, os preços das rações em todo o mundo aumentaram. De acordo com a BBC, esse aumento foi de 10,3% nos EUA, enquanto na União Europeia encontra-se em 8,8%.
Na Austrália, aumentou quase 12% e em Portugal entre 10 a 15%. Entretanto, já se verifica um alívio nos preços, mas a indústria alerta que os preços não vão voltar aos níveis que se verificavam antes do conflito no Leste Europeu.
União Zoófila apela à ajuda
Para fazer face a este aumento dos preços das rações, a presidente da UZ conta que optou por deixar de encomendar rações específicas, como ração hipoalergénica, recomendada para animais com alergias ou intolerâncias a alguns alimentos. “Já não temos dinheiro para encomendar essas rações. Agora, estão a comer a ração que nos dão [ao abrigo]. O estado deles [dos animais] piora, mas não temos alternativa”, lamenta.
Luísa Barroso reforça os apelos que UZ tem vindo a fazer nas redes sociais para ajudar a associação como puder, seja com donativos, apadrinhando animais ou fazendo voluntariado. A responsável convida ainda as pessoas a visitarem as instalações da UZ para que assim consigam perceber “a realidade do problema”.